Já ouviu falar de flexibilidade cognitiva?
A primeira vez que ouvi o termo foi no final de 2012, quando fui apresentada para a psicologia do consumo na Universidade onde eu me dirigiria dois anos mais tarde para realizar um pós-doutorado na área. A flexibilidade cognitiva, muito discutida na psicologia, embora já aplicada em outras áreas como é o caso em estudo sobre inovação, trata-se de um termo que designa a capacidade do indivíduo de estar aberto a mudanças, sejam elas de pensamento, atitudes e, consequentemente, ser capaz de influenciar a mudança de comportamento.
Alguns fatores influenciam na flexibilidade cognitiva das pessoas como sexo, idade e personalidade. E, infelizmente a ausência de flexibilidade cognitiva é o traço que traz mais prejuízo a nossa sociedade hoje em dia e para o sucesso de alguns negócios.
Você já parou para se perguntar por que muitas discussões sobre políticas são criadas com pontos pouco relevantes e que finalizam em argumentos vazios e sem sustentação no final? Você já parou para se questionar por que muitas pessoas continuam adotando uma postura errada ou contraditória frente ao grande perigo como é o caso da pandemia? Você já chegou a refletir o por que em muitas grandes empresas, pessoas que vem com muita bagagem cultural e um pensamento diferente não consegue permanecer em um único meio por muito tempo a não ser em lideranças?
A capacidade de flexibilizar pensamentos, nada mais é do que a habilidade do indivíduo de aceitar ideias e opiniões diferentes, com a finalidade de debater, verificar posições, e com isso analisar a possibilidade, de forma consciente, de mudar suas próprias ideias. É como em um debate saudável onde duas pessoas tem ideias diferentes, cada uma expõe seu ponto de vista, refletem juntas, e, se necessário e viável, pelo menos uma delas irá mudar seu pensamento ou ter uma nova forma de pensar sobre o assunto. Parece normal, saudável, mas não é tão simples assim. E com isso surge a rigidez cognitiva.
A rigidez cognitiva (o inverso da flexibilidade cognitiva) é a inabilidade de ser aberto para o novo, para ideias diferentes da sua e estar pronto para mudanças. E é essa rigidez cognitiva que é tão forte e característica nos dias de hoje. Sabe por quê? Pelo simples fato de que a base da rigidez cognitiva é manter uma posição atual pela lei do menor esforço. Ou seja, o indivíduo busca preservar posições e conforto, manter um ego elevado perante os outros e ter vantagens para si próprio. E não veja isso apensa pelo lado negativo! Querer ter vantagens para si é baseado na tentativa de manter hábitos e pensamentos já instaurados e que demandariam muito tempo e esforço para serem alterados. É como propor atividades físicas para manutenção da saúde para alguém que não é habituado a praticar exercícios. Fazer exercícios demanda tempo e esforço que faz com que a pessoa prefira não os fazer, simplesmente por manter a sua comodidade, mesmo com algum prejuízo para si. Alguns vão argumentar que isso chama-se preguiça, outros que é uma questão e gosto. Eu simplesmente prefiro dizer que é questão de esforço que tira da inércia. E isso serve para mudanças alimentares, mudanças de trabalho e o principal: mudança de pensamentos.
Quando se trata de pensamento, a rigidez pode ser muito maior, pois envolve muito mais esforço. Não se trata apenas de uma questão física ou de uma preferência. Quando falamos de cognição, falamos de pensamento, falamos de processamento de informação, falamos de conhecimento. E, produzir conhecimento mais do que fazer esforço, dói. É uma dor que é vista como perda de tempo para alguns, maléfica para outros e que não vale a pena para a maioria. Por quê? Porque pensar demanda estar aberto para o novo, para mais informações, para o processamento delas. Isso tudo demanda um esforço muito grande para alterar ou “quebrar” toda uma lógica que já havíamos demandado tempo para criar.
Isso vemos na política. Isso vemos no esporte. Isso vemos até mesmo no ensino e na religião. E, o pior, é quando vemos na saúde. Vale a pena ressaltar que flexibilidade cognitiva não está atrelada a nível educacional, a comportamentos percebidos como submissos de concordância ou nível de busca de informação do indivíduo. Eu mesma conheço muitos mestres e doutores, muita gente muito informada e antenada, e muita gente que diz sim para tudo com uma rigidez cognitiva ao extremo.
São questões lógicas que muitas vezes quebram com as crenças anteriores. Isso tira o conforto e por isso as pessoas se fecham.
É como saber que uma equipe tem rendimento pior que a outra e mesmo assim continuar argumento sua supremacia diante da outra com argumentos sem fundamentos.
É como saber que gestão atual do governo é ineficiente e despreparada e continuar a apontar causas em governos anteriores como justificativa de um erro atual (sem viés partidário, por favor!).
É como saber que uma determinada ideia ou ação pode não parar em pé para a preferência do mercado, mas mesmo assim continuar com a proposta pois para si é a solução mais lógica.
Mas afinal, o que a flexibilidade cognitiva tem haver com gestão de estratégias?
Quando falamos de estratégias falamos de um caminho para se atingir objetivos. Não é algo estático, apesar de ter um mapa, um rumo. É como fazer uma viagem de carro para um determinado destino. Sabemos o caminho, temos a direção. No entanto, dependendo do que for acontecendo no meio da viagem, algumas táticas devem ser revistas. Como exemplo: se a programação foi chegar no destino final no dia X, parar para dormir no trajeto apenas das 23 às 7h, pagar pedágios apenas com moedas e abastecer a cada 400Km.
Parece muito irrelevante o exemplo, mas veja: seu objetivo é chegar ao destino no dia X. Mas, teve uma noite que você dormiu mal, pois teve um problema na hospedagem. Você teve problemas com o eu cartão em uma loja de conveniências e teve que gastar suas moedas para comprar comida. E, você pegou muito congestionamento em uma parte do trajeto e gastou mais combustível que o previsto. Então você não conseguirá manter a sua estratégia inicial exatamente como era. E, o seu objetivo continua lá.
Para conseguir chegar ao seu objetivo, ou destino, você dormiu um dia até 12h para se recuperar da noite mal dormida e viajou até mais tarde nesse dia. Você teve que passar no banco retirar mais dinheiro e só tinha notas para o pedágio. Você teve que reabastecer com apenas 300km rodados e não na cidade prevista inicialmente. O que houve? Você teve que mudar, e você esteve aberto para isso, pois calculou os riscos: não quis perder a segurança, afinal qualidade de sono é essencial para uma boa condução. Você não deixou de pagar pedágio, mas pagou de uma outra forma. Você abasteceu antes, pois não poderia ficar sem combustível no meio do caminho. Simples? Nesse caso sim. Mas e se essa mudança acontecesse na empresa?
Na empresa acontece da mesma forma quando planejamos algo. Temos a análise de mercado e diagnósticos que são as informações que ajudam a construir o mapa. Temos o mapa que é o planejamento: diversos caminhos para se atingir o objetivo. E temos o objetivo que é o destino ou cidade onde queremos chegar com isso. Traçamos:
- rotas (caminhos que podem ser usados para se chegar ao objetivo)
- rotina de viagem (processos como iremos fazer para se chegar ao objetivo)
- apontamos veículos (identificamos recursos necessários para a jornada)
- indicamos motoristas (gestores responsáveis pela implementação das ideias)
Na empresa é ainda mais complexo que uma viagem, pois envolve muita gente, muitas ideias, muitos egos e muitas personalidades diferentes. E é exatamente por isso que é necessário ser ainda mais aberto a possíveis mudanças. O que fazer?
A resposta é simples: se permitir a estar aberto para discutir ideias. Mas estar aberto mesmo, não é só uma questão de postura. É estar com a mente aberta também. Em qualquer problema ou perigo no meio do caminho, o plano deve ser revisto para acertar as mudanças necessárias. Ser rígido nesse processo pode ser o sinal de fracasso de um bom projeto. E é aí que entra a flexibilidade cognitiva: na capacidade de mudar para se adaptar e conseguir atingir e manter o objetivo. É fácil? Se você não é acostumado, não é fácil. Tente mudar um programa de final de semana em família. Já é difícil, não? Imagine em uma equipe com várias pessoas e várias áreas e níveis de conhecimento diferentes?
E a flexibilidade cognitiva também impacta na Gestão da Experiência do Cliente
A gestão da experiência do cliente é a coordenação de recursos e procedimentos para atrair e se relacionar com clientes, por meio de estratégias que promovam o encantamento e o atendimento mínimo às suas expectativas. Não envolve apenas uma ação isolada. Não envolve apenas o atendimento a clientes. Não envolve apenas a gestão de canais de relacionamento.
O grande problema é que para se atuar com Experiência do Cliente você tem que obrigatoriamente ter uma flexibilidade cognitiva muito superior à média (pelo menos para o trabalho, ok? rs). Por quê? Para atuar com experiência, há necessidade de se ter uma forma de racionalizar o comportamento do outro de um modo bem específico: precisamos observar, ter dados, entender os porquês (de outra pessoa) e com isso propor uma solução. Tudo de forma rápida e muito articulada com outras áreas do negócio. Se você estiver muito focado ou apegado a esteriótipos, padrões ou mesmo a características do negócio ou do produto, você não vai conseguir projetar uma mudança de forma eficaz. Tudo porque você focou em algo já existente, e que mesmo assim não resolveu o problema do cliente antes.
Muitos falam que isso é pensar fora da caixa. Eu discordo. Flexibilidade cognitiva é pensar estrategicamente, não é necessariamente pensar diferente. Não é ter ideias que nunca ninguém teve. Não é fazer algo grandioso, mágico e extraordinário. Muitas vezes, o menos é mais em gestão. Principalmente com foco no cliente. Mas, é um fato estratégico a flexibilidade cognitiva, pois deve ser articulada de forma integrada com outras ideias, conceitos, recursos e pessoas de uma maneira mais inteligente do que feito antes. Isso sim é ter flexibilidade cognitiva em estratégias. É a habilidade de pensar diferente a partir de dados, informações e recursos, os combinando de forma integrada para resolver um problema. Não é nada de inovar, não necessariamente. Nada de ir além. É saber pensar de forma integrada. E descomplicada, claro!
Conclusão
A flexibilidade cognitiva não é questão de acesso. Não é questão de intelecto. É questão de abertura para o diferente e para o novo. Isso demanda mudança. E, a mudança que mais dói é a mudança de pensamento. E, sem a abertura para mudanças não há evolução, não há soluções, não há sucesso de estratégias. Só estagnação e problemas. Independente se é no nosso dia-a-dia, na gestão de estratégias ou na experiência do cliente de uma empresa.
Abraços e até a próxima!