Desistir? Ou insistir? Uma questão de inclusão

by Juliana Cândido Custodio

Desistir? Ou insistir? 

Esse é o questionamento que estou já me fazendo há algum tempo. Não é sobre carreira, nem sobre futuro. É sobre questões sociais.

Se fala muito hoje de questões de “herança” cultural, fazendo alusão à questão da exclusão dos negros nos altos postos do mercado de trabalho. No entanto, será que essa “exclusão” é realmente por questão racial? Será que ser ou não de uma determinada raça posiciona a pessoa como com mais ou menos acesso à educação? Será que isso posiciona alguém como com uma posição mais favorável ou não?

Eu como negra desconsidero isso, mas sei que sou exceção.

E vamos aos fatos de por que desconsidero isso.

Se considerarmos um negro e um branco, de mesma formação, de mesmo padrão de comportamentos, com área de trabalho ou resultado apresentado, o que muda?

Se considerarmos a importância do trabalho de uma enfermeira e de um médico para um paciente, qual é a diferença?

Se considerarmos um engenheiro mecânico e um mecânico, para o proprietário do veículo e para o funcionamento de todo o setor automotivo, qual é a diferença?

Se considerarmos um arquiteto e um assentador (quem faz a colocação de revestimentos), para o resultado e qualidade percebida de uma obra pelo cliente, qual é a diferença?

Então por que ainda há tantas diferenças e melindres das pessoas aqui no Brasil sobre isso?

Morei alguns anos fora do país, tanto para trabalho quanto para estudos, e a realidade é muito diferente, logicamente, não em todos os setores. Enfermeiros tem declaradamente e reconhecidamente tanta importância para os cuidados com saúde quanto um médico. Pessoal qualificado de obras tem valorização e reconhecimento profissional. Alguns profissões que aqui vemos como mais inferiores, por lá são super valorizadas, e não digo que apenas podem ser em salário. Falo de reconhecimento da importância. Negros, nem preciso falar né? Diferença racial não existe de forma muito clara no dia a dia. No entanto, existe sim diferenças e discriminação por nacionalidade, por formação, por resultados…

E por que aqui parece tão difícil e tão distante esses mundos e essa integração e aceitação de forma natural? Não é por conhecimento. Não é por currículo. Não é por herança cultural escravocrata. Mas é a mesma questão que fora pode também gerar exclusão: networking e interesse profissional/social.

A questão é que dentre alguns meios sociais e profissionais a questão do status quo, do ego e da busca de valorização no seu meio é tão forte que tudo se passa por uma rede de networking e não necessariamente perfil ou resultados. E aí gera a bola de neve.

Quando criamos redes de relacionamentos mais próximos, nos aproximamos por comportamentos, por preferências e por interesses comuns. Se esse interesse não é visto na outra parte, ou seja, se a pessoa com quem queremos nos relacionar não for interessante de alguma forma, não há relacionamento que dure.

Com isso, se ela não tem algum destaque por si mesma, ela não consegue acessar alguns grupos que pode parecer mais distante. E isso não é questão de raça, de conhecimento ou de posição social.

Se fosse por isso, não tinham pessoas bilionárias que saíram do zero, pessoas negras com alta qualificação e profissionais com profissões mais simples, super valorizados. Até livros de comportamento do consumidor justificam alguns comportamentos dos negros, mas isso não deve ser visto só em formato de compras, produtos, etc. Mas em forma de se relacionar.

A questão não é raça. Não é emprego. Não é qualificação. É simplesmente busca de posicionamento social e profissional que impede da criação de relacionamentos com classes que não auxiliam necessariamente nessa postura. Ai o ciclo que não evolui. A pessoa não se valoriza, portanto, não recebe valorização, a pessoa que deveria valorizar não vê por que e investe em outro. Aí a pessoa que não era valorizada acaba de desmotivando, se conformando (pois dar murro em ponta de faca pode cansar) e aceitando. A outra pessoa que deveria valorizar vê: não tem ninguém mesmo que eu possa valorizar por isso e também se conforma, cria estereótipos e para de procurar. Aceita essa triste realidade.

Não sei se é um raciocínio certo, mas é o meu!

Então a questão não é marginalização. É falta de valorização somado à conformidade da situação. É como podemos gerar valor para nós mesmos e para os outros. É ter reconhecimento de valor.

Realizei um estudo há pouco tempo sobre uma das categorias citadas acima. E isso me motivou a escrever este post. Tratava-se de estudo qualitativo para uma grande marca que me fez debruçar num universo bem particular, desvalorizado e que entra nessa perspectiva social. O grupo é tão importante quanto altos cargos com quem atuam junto, principalmente para o resultado final do produto e para o cliente final. Mas, mesmo assim, continuam desvalorizados.

Qual é o perfil?

São muito importante e sabem disso. Amam o que fazem e sentem orgulho. Mas na escala social são pouco representativos ou mesmo excluídos. Profissionais com quem trabalham junto não dão valor mesmo eles tendo muito mais conhecimento em algumas partes do processo. E o que eles fazem? Nada. “Ah, isso é tão normal no nosso meio”… E de onde vem essa desvalorização?

Após ter a apresentação dos resultados para essa marca, pude perceber na fala da alta gestão mesmo, não desvalorização, afinal eles reconhecem a importância. Mas um menosprezo tão natural que assustou. São pequenos comentários, assim como há para negros e outras minorias, que poderiam ser normais e podem ter sido para aquele grupo, que para quem vivenciou aquela realidade profissional doeu. Bateu na alma essa desvalorização estrutural. Não foi por maldade. Não foi por desvalorização. Mas é algo tão normal do dia-a-dia de criar estereótipos e querer se aproximar ou se distanciar, afinal aqui falamos de poder social numa escala, que chega a ser triste e desmotivador para ver a luz no fim do túnel.

Então, o que eu vejo não é uma questão de inclusão. Não é questão de ter programas específicos. Não é formar ainda mais subgrupos de minorias. A questão é conscientizar a elite, seja ela intelectual, gerencial ou social. A questão e conscientizar as minorias sobre o seu valor para não desistirem.

Um bom profissional não se resume pela cor de pele, profissão escolhida, nem mesmo quanto ganha (ou estereótipo disso). Um bom profissional não se resume pelo que ele fala ou vende (afinal tem muita gente medíocre vendendo abobrinha e muita gente comprando pela postura e nome de marca). Um bom profissional não se resume por quem ele conhece ou pelo QI que ele tem. O bom profissional é aquele que apresenta resultados e isso sim deve começar a ser reconhecido.

E infelizmente, o profissional valorizado que vejo hoje é aquele que tem “status”, cacareja e tem QI, afinal, agrega para profissionais e marcas em termo de uma eterna busca de status social e “garantias”…

 

Abraços e até a próxima!

 

Obs: Eu não acredito muito em programas de quotas (de forma declarada e comunicada aos quatro ventos). Por quê? Pessoas se relacionam com quem as interessa e com quem tem afinidade. Você já observou em universidades como são os clãs? Ou mesmo em empresas: estagiários andam com estagiários, analistas com analistas, bolsistas com bolsistas ou similares, afortunados ou afortunados e por aí e assim voltamos no ciclo que menciono. Portanto, acesso sim, mas de forma consciente por quem já está dentro e não ostentado aos quatro ventos como forma de recriar minorias. A curto prazo se tem o acesso. A longo prazo? Talvez isso não seja tão eficiente assim…

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